Mercado teme que energia seja entrave à retomada caso reservatórios não se recuperem.
Após a pior seca da história, os reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste terminam o período de chuvas no menor nível desde 2015 e a expectativa é que, como naquele ano, o consumidor seja chamado a cobrir o custo adicional de geração por térmicas até o fim do ano.
A situação é tão crítica que executivos do setor avaliam que, não fosse a queda de demanda provocada pela pandemia, o país correria o risco de racionamento já em 2020. E alertam para o risco de que a oferta de energia se torne gargalo à retomada econômica caso a seca persista no próximo verão.
Na semana passada, o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) autorizou o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a utilizar todos os recursos disponíveis para poupar água nos reservatórios das hidrelétricas, “sem limitação nos montantes e preços associados”.
Nesta segunda-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro disse a apoiadores que o problema é sério e vai dar “dor de cabeça”. “Só avisando, a maior crise que se tem notícia hoje. Demos mais um azar, né? E a chuva geralmente (cai) até março, agora já está na fase que não tem chuva.”
Desde 2015, a Aneel antecipa parte dos custos das térmicas por meio da cobrança mensal de bandeiras tarifárias sobre a conta de luz. Em maio, já com as perspectivas negativas para o ano, foi acionada a bandeira vermelha nível 1, que acrescenta R$ 4,17 para cada 100 kWh consumidos.
Considerados a principal caixa d’água do setor elétrico brasileiro, os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste fecharam esta segunda com 33,7% de sua capacidade de armazenamento de energia.
No dia 10 de maio de 2015, eram 34,6%. Naquele período, a taxa extra na conta de luz vigorou por 14 meses consecutivos, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2016.
“Este ano vai ser um ano de bandeira vermelha”, diz Alexei Vivan, presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia) e especialista em energia do escritório CTA Advogados. “É uma confluência negativa para o consumidor, já prejudicado pela pandemia.”
“A gente sabe que vai ter um aumento de preços e tarifas”, diz Mario Menel, da Abiape (Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia). “A perspectiva é ficarmos por muitos meses [em bandeira vermelha] e se estender para bandeira vermelha 2 [que adiciona R$ 6,24 a cada 100 kWh].”
O impacto pode ser ainda maior caso a Aneel prossiga com proposta para aumentar o custo das duas bandeiras vermelhas, que passariam a R$ 4,60 e R$ 7,57, respectivamente. A proposta estava sendo discutida em consulta pública até a semana passada.
As bandeiras não são o único mecanismo de repasse do elevado custo das térmicas. Elas antecipam esse custo para sinalizar ao consumidor que o produto é escasso. Mas parte do gasto extra é paga na revisão tarifária das distribuidoras de energia, que ocorrem durante o ano.
A conta está em um encargo chamado ESS (Encargos de Serviços do Sistema), cujo valor pode dobrar este ano, chegando a R$ 20 bilhões, segundo estimativas do setor. Isto é, além das parcelas mensais, o consumidor deve ter um reajuste maior quando a distribuidora que lhe atende passar pela revisão tarifária.
Além da falta de chuvas, especialistas dizem que o cenário atual reflete também falta de investimentos em fontes menos dependentes de condições meteorológicas, já que as usinas eólicas e solares sustentaram boa parte da expansão da oferta nos últimos anos.
As térmicas a gás, por exemplo, garantem um suprimento mais firme de energia, ajudando a poupar água nos reservatórios e a evitar o uso de usinas a óleo, que pelo elevado custo são conhecidas no mercado como Chanel n.5, em referência um dos menores e mais caros perfumes.
Geralmente, o período seco vai até setembro ou outubro, quando as chuvas da primavera começam a repor água nos rios. Com as medidas para poupar água, o ONS espera que os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegarão a outubro com 20% de sua capacidade, mesmo patamar do início de 2020.
O mercado se preocupa, porém, com a capacidade de atendimento à esperada retomada econômica após a vacinação da população contra a Covid-19. “Sem dúvidas estamos em um ano desafiador”, diz Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR e ex-presidente da estatal Empresa de Planejamento Energético.
Ele ressalta, porém, que ainda não vê motivo para pânico. “As variáveis a serem monitoradas são disponibilidade de gás para térmicas e as naturais disputas pelo uso da água, além da produção das renováveis”, afirma.
Executivos do setor alertam para alguns riscos nestas variáveis. Primeiro, um quarto da capacidade térmica brasileira está indisponível neste momento, seja por obras de manutenção em unidades geradoras, seja por gargalos no sistema de transmissão.
Além disso, a Petrobras prevê parar para manutenção, em agosto, um dos principais sistemas produtores de gás do país, o campo de Mexilhão, no litoral paulista. Ao mesmo tempo, aproveitará para fazer manutenção em térmicas que consomem esse gás.
A estatal disse que “a intervenção possibilitará a manutenção preventiva e a realização de melhorias nas instalações, garantindo a continuidade e a segurança nas operações de escoamento e fornecimento de gás natural no país” e que o cronograma foi negociado com o ONS.
O operador diz que acompanha de perto a situação de 161 reservatórios no país e faz a gestão contínua dos recursos energéticos para garantir o abastecimento da sociedade.
“A situação requer atenção, já que estamos atravessando um período hidrológico desfavorável, mas o importante, neste momento, é garantir que estamos realizando todas as ações necessárias para operar o sistema com segurança e de forma a atender a demanda elétrica do país”, afirmou.
Noticia retirada de Folha de São Paulo.